RECIFE.NOV.2025
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⑤
Quase ateu
Quase ateu
Bico de pena sobre papel
23 x 32,5 cm
Em casa, José e Maria eram apenas tácita e vagamente católicos. Antes de colocar as mãos no volante, o pai fazia o sinal da cruz sobre si para se abençoar. Devota de Nossa Senhora, a mãe acendia velas em casa, zelava pela imagem da santa no altar da sala, mas evitava intimidades com padres. A família não ia à igreja. Missas, apenas por ocasião de batizados e funerais.
Bico de pena sobre papel
23 x 32,5 cm
Pastel seco sobre papel
64 x 86 cm
ROSA LENDO 1989
Pastel seco sobre papel
68 x 48 cm
Óleo sobre tela
128 x196 cm
Quando contava dez anos de idade, Renato dava umas voltas com um amigo perto de casa. No cair da tarde, parou, não sabe dizer por que, diante de uma casa de dois pavimentos. Com toda a sobriedade que o passar dos anos não lhe tirou, ainda adulto Renato recordaria com muita clareza do que viu. No fundo do quintal, havia uma senhora. No primeiro andar, próximo da calçada onde estavam, ele e o colega viram, de costas para a rua, o corpo de uma mulher flutuando. Renato ensaiou correr, mas teve que voltar para dar um tapa e fazer o amigo, paralisado de medo, voltar a se mexer. Confirmada ou não a mediunidade involuntária do pequeno Renato, poucos dias depois do evento, a moça que dormia naquele quarto encerrou a própria vida com um tiro.
Bico de pena
25 x 69 cm
Grafite sobre papel
10,5 x 14,8 cm (cada)
“Sou leitor do Evangelho e me considero um religioso que não simpatiza muito com as religiões. Pertencer a alguma não torna alguém melhor do que alguém que não pertença. As religiões atemorizam com o inferno ou umbral, com o demônio ou obsessor, que no fundo são muito semelhantes. Ao mesmo tempo, falam do céu ou de colônias espirituais pra onde iremos depois da morte. A ênfase do Evangelho, no entanto, se resume no que Jesus chamou de Mandamento Maior, que possui dois itens: o primeiro ‘Amar a Deus’; o segundo (para ele, tão importante quanto o primeiro), ‘Amar o próximo como a si mesmo’. Isto para mim deixa claro que estamos aqui e agora e é nisto que temos de nos concentrar, nos colocarmos no lugar do outro, ser solidário, fraterno, assistir aos necessitados, nos esforçamos para construirmos uma sociedade mais justa”
Carvão sobre papel
Políptico: 36 x 26 cm (cada)
Litografia
31 x 21 cm
“Fazer as coisas com medo do inferno ou querendo ir pro céu como um prêmio não faz sentido. Daí minha dificuldade em pertencer a grupos específicos. Pertenço à Espécie Humana, é a minha espécie que defendo, aliás é a única que pode ser considerada a ‘praga do mundo’, nenhuma outra é capaz de destruí-lo. Basta um idiota com armas atômicas apertar um botão e viramos poeira, ainda de quebra podemos desequilibrar todo o sistema solar, a galáxia... O pior é quando essas instituições usam a promessa de um céu e o pavor de um inferno para enriquecer, extorquir e, enfim, obter o poder na terra!”
Numa paleta em que o preto, o branco e o cinza experimentam variações possíveis, como reverberações cromáticas da ausência de cor na morte explorada, para além dos personagens, na volumetria geométrica de um quadro na parede e no piso ladrilhado de um cômodo onde um corpo é velado, o artista encontra soluções formais exemplares para tipificar a formalidade do evento.
1988
Óleo sobre Duratex
181 x 275 cm
1992
Óleo sobre tela
Políptico: 45 x 295 cm
1992
Óleo sobre tela
Políptico: 45 x 295 cm
Os filhos começaram a dividir móveis, lustres, pequenas coisas. Renato ficou apenas como uma velha agulha de crochê encontrada numa gaveta – uma herança tão longeva como a espiritualidade materna. Por meio do objeto, a influência artesã materna se insinuava mais tardiamente na obra de Renato: o artista usa a agulha com grafite para imprimir sulcos e contornos de baixo relevo em algumas obras das séries Augusta com Itu (2013) e Memórias de uma agulha de crochê e outras memórias (2014 – 2015). Detalhistas, os traços pareciam bordados. Lembravam os bicos-de-pena feitos no final dos anos 1970, cujas texturas remetem também à bordadura.
2013
Agulha de crochê e grafite sobre papel
29,7 x 42 cm
“Achei que tinha essa coisa de bordado, herdada da minha mãe, que eu percebi ali. Minha mãe era simples, muito sincera, generosa e tinha um gênio forte. Mas estabeleceu muitos vínculos de afeto”
2014
Agulha de crochê e grafite sobre papel
Políptico: 384 desenhos, 8 x 8 cm (cada)
2015
Agulha de crochê e grafite sobre papel
41 x 11 cm
2015
Agulha de crochê e grafite sobre papel
62 x 47 cm
Preciosista, a série Memórias de uma agulha de crochê e outras memórias começa com um mosaico composto por 384 desenhos, medindo 8 x 8 cm cada. Primeiro as linhas marcadas em sulcos pela força da agulha sobre o papel; em seguida grafites de durezas e espessuras diferentes na elaboração de volumes e texturas. Desenhos que seriam expostos apenas no ano de 2015, na Galeria Arte Plural, no Recife. “São desenhos feitos com intervenções da agulha de crochê de Dona Maria, uma agulha carregada de muitas histórias, e com o grafite que realça as marcas profundas no papel.”
RECIFE.NOV.2025