RECIFE.NOV.2025
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Do gesto-
monumento
Do gesto-
monumento
Fotografias
A inversão da escala no desenho, ou seja, a adoção do grafite monumentalizado em grandes superfícies, se dá na tentativa de conferir escala adequada à complexidade das situações plasticamente trabalhadas. Emerge quando Renato Valle, logo após a repercussão dos cinco mil desenhos da série Diário de votos e ex-votos, é convidado pelo Instituto de Arte Contemporânea (IAC/UFPE) da Universidade Federal de Pernambuco, para o projeto de residência artística intitulado O artista, o processo criativo e a mediação cultural. Ali, Valle amplia o gesto para não mais encurtá-lo. Diante e mesmo em parceria com o público, realiza desenhos em grandes escalas - obras de enorme tensionamento das questões mais caras à sua espessura poética.
“Quando o IAC me convidou para a terceira edição de um projeto experimental, desenvolvido na gestão de Ana Lisboa, não sabia o que fazer. Aceitei, já que era experimental, melhor que surgisse algo de dentro do próprio IAC. Visitava o local, pensava, refletia... Fechava os olhos e só via as experiências do Diário, os cinco mil desenhos me deixaram viciados”
IAC - Instituto de Arte Contemporânea da UFPE
Recife-PE
“Decidi então radicalizar, fazer algo que provocasse em mim uma mudança de comportamento diante do suporte e dos materiais. Pensei em papel em grande formato, mas teria que mandar buscar fora. Além disso, a maior largura era de 150 cm, rolo de papel. Queria algo maior. Pensei então na lona que uso nas pinturas, até 212 cm, em algodão cru”
“Comecei, aí, a experimentar. Sem temas prévios, em cerca de um mês no Instituto, vi uma tela grande de Balthazar da Câmara, uma pintura a óleo na qual uma mulher segurando um livro estava representada. Adorei a figura daquela senhora, e não gostei nada da paisagem. ‘Entrei’ na obra e comecei a repensá-la! O que deveria fazer diante do que gosto e do que não gosto?”
MAMAM – Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães
Recife-PE
Movimento Pró-Criança
Jaboatão dos Guararapes
“Comuniquei a Ana que queria desenvolver uma série que dialogasse com o acervo do IAC. Com o tempo, esse acervo se ampliou para além das imagens. Passei a dialogar com as histórias contadas por funcionários, pessoas que trabalhavam lá, que por sua vez ouviram de outros. Também, como forma de provocar um comportamento novo, para mim, diante dos materiais que decidi utilizar”
“Com o tempo, e com o projeto se desdobrando para outras instituições, comecei a ocupar as paredes com as lonas, nem sempre sabendo o que seria usado como referência. O que Marcelo Silveira chamou a atenção por ser mais pertinente a algo não muito próprio ao desenho, mas à instalação”
SPA das Artes
Grafite sobre lona crua
210 x 430 cm
IAC - Instituto de Arte Contemporânea da UFPE
Recife-PE
Grafite sobre lona crua
263 x 211 cm
Grafite sobre lona crua
282 x 212 cm
Grafite sobre lona crua
365 x 424 cm
DEPOIS
DO EPÍLOGO
DE BALTHAZAR DA CÂMARA
2005
Grafite sobre lona crua
263 x 211 cm
Grafite sobre lona crua
263 x 211 cm
IAC - Instituto de Arte Contemporânea da UFPE
Recife-PE
SINHÁ RICARDA
2006
Grafite sobre lona crua
304 x 211 cm
Grafite sobre lona crua
304 x 211 cm
Grafite sobre lona crua
212 x 405 cm
É exemplar desta lavra Criança sentada, sob o impacto de uma determinada programação televisiva infantil (2006), um desenho cuja escala (3,65 x 4,24 m) potencializa em metáfora a candura das dobrinhas do corpo infantil, sua pele casta e acetinada sob uma cabeça agigantada em perturbação. Pelo excesso de informação midiática contemporânea, um corpo infantil e a subjetividade que dele se projeta como que deformado pelo que é. Desenho, aliás, inspirado numa série, formal e cronologicamente distante, do paulistano Nelson Leirner, Trabalhos feitos em cadeira de balanço assistindo televisão (1997).
Grafite sobre lona crua
365 x 424 cm
2017, Galeria Janete Costa, Recife-PE
Grafite sobre lona crua
211 x 450 cm
Grafite sobre lona crua
302 x 208 cm
Grafite sobre lona crua
235 x 100 cm
Grafite sobre lona crua
212 x 410 cm
Ateliê 7 / CAC – Centro de Artes e Comunicação da UFPE
CRISTO E ANTICRISTO COCA-COLA I e II 2010 - 2011
Escultura - Resina de poliéster e Coca-Cola
56 x 83 x 12 cm
“Essas reflexões que se desdobram em colmeias, grades, cruzes com Coca-Cola, enfim, diversas configurações de Cristos e Anticristos, de luzes e sombras que habitam o ser humano, caracterizado como bom ou mau pelas escolhas que faz entre essas forças, e não pela ilusão de achar que possui só bondade, enquanto a maldade está noutro lugar, ou alguém, fora dele”
A contundência civilizatória dos símbolos do Cristianismo é ali reformulada em arranjos de cruzes e Cristos: ora um Cristo branco, ora um Cristo negro; ora ainda, como antes dito, um Cristo retirado da cruz, suspenso e autônomo, que convida o público a refletir sobre as camadas histórico-sociais que moldaram a fé. Nos termos do artista:
Objeto - Resina de poliéster, resina epóxi e cobre
54 x 23 x 15 cm
“A ideia era discutir o ‘tipo físico’ de Jesus, pois o tipo europeu que costumamos ver é bastante questionável. Colocar o Preto e o Branco lado a lado, inverter a posição, o positivo e o negativo, o que é cristão e o que não é cristão (não pela cor, mas pela inversão da imagem), trabalhar, enfim, com os símbolos dando outros significados e, em alguns casos, criticando os que são usados para dominação”
Fotografia
Instalação - Resina de poliéster
Dimensão variada
Objeto - Resina de poliéster
22,5 x 22,5 cm
NADO SINCRONIZADO II – BRANCO 2011
Objeto - Resina de poliéster
18,5 x 18,5 cm
CRISTOS EQUILIBRISTAS – PRETOS 2011
Objeto - Resina de poliéster
23,5 x 16,5 cm
Objeto - Resina de poliéster
25 x 53 cm
Apropriando-se de uma certa lógica pop pela utilização de imagens estereotipadas de Cristo, bem como por sua reprodução e multiplicação, Renato Valle procede em direções complementares: num sentido, anseia desmistificar o personagem Cristo, “humanizando-o” e, assim, desautorizando-o como figura de poder para, por outro lado, retomá-lo como um “homem qualquer”, ainda que singular; por outro lado, termina por criticar a própria concepção desse personagem, denunciando o esvaziamento de sua história e “ensinamentos” promovido pela hierarquização religiosa e consequente comodificação, o que ocorre para sua total desumanização.
Objeto - Alumínio sobre Duratex com veludo
19 x 19 cm (cada)
Objeto - Resina sobre Duratex com veludo
19 x 19 cm (cada)
Objeto – Resina
24,5 x 20,2 cm
CRISTOS E ANTICRISTOS PRIMITIVOS 2010 - 2011
Objeto - Resina e areia
60 x 50cm
MEDALHINHAS 2012
Objeto – Resina
14 x 14,4 cm
Nos arranjos da série, antes que meros experimentos plásticos, inquietações se multiplicam em formas (a citada Colmeia, a Grade ou cruzes de resina cristalizada, erguidas sobre colunas de latas de Coca-Cola). Tal expediente dialoga, por exemplo, com procedimentos de uma pop arte brasileira (Cildo Meireles e Nelson Leirner, como vetores confessos), flagrando a disposição da sociedade de consumo em sacralizar o mundano ou, inversamente, transformar o sagrado em mercadoria industrial.
Objeto - Resina sobre Duratex com veludo
49 x 50,5 cm
PRETO NO PRETO, PRETO NO BRANCO, BRANCO NO BRANCO E BRANCO NO PRETO
2011
Objeto - Resina sobre Duratex com veludo
50 x 54 cm
Objeto - Resina de poliéster
45 x 63 cm
Objeto - Resina de poliéster
62,5 x 44,5 cm
(detalhe)
Nesse mesmo registro crítico, sem abrir mão do humor dos paradoxos, uma pequena escultura de parede traz a cabeça de Cristo em resina. No alto da calota craniana da figura, uma fenda permite inserir moedas e cédulas: o Cristo-Mealheiro que denuncia, de forma direta, a indústria da fé. No ano de 2017, por exemplo, o mealheiro aparecia na imagem do Jesus pregado na cruz em chrimassa, material que dá à peça grande verossimilhança com certas formas rudimentares do crucifixo, como artefato da fé popular.
De volta à linguagem da pintura, em óleos sobre telas em que crucifixos pintados sobre mesas cobertas com toalhas colhidas ou bordadas, numa sugestão de intimidade e afeto doméstico, figuram abaixo de mãos que lhe depositam cédulas em fendas. Em fina ironia, o gesto aparece em telas diferentes, ambas realizadas entre 2018 e 2019. No quadro denominado Mealheiro 1 (Fé de menos), a cédula depositada na fenda equivale a R$ 2,00 – valor com o qual se comprava pouco mais de um pão no ano da execução da obra. Na denominada Mealheiro 2 (Fé de mais) figura uma cédula de R$ 100,00. Em ampliação de sentidos, telas e respectivos títulos nos informam haver, assim, equação diretamente proporcional entre investimento fiduciário e fé pessoal.
De volta à linguagem da pintura, em óleos sobre telas em que crucifixos pintados sobre mesas cobertas com toalhas colhidas ou bordadas, numa sugestão de intimidade e afeto doméstico, figuram abaixo de mãos que lhe depositam cédulas em fendas. Em fina ironia, o gesto aparece em telas diferentes, ambas realizadas entre 2018 e 2019. No quadro denominado Mealheiro 1 (Fé de menos), a cédula depositada na fenda equivale a R$ 2,00 – valor com o qual se comprava pouco mais de um pão no ano da execução da obra. Na denominada Mealheiro 2 (Fé de mais) figura uma cédula de R$ 100,00. Em ampliação de sentidos, telas e respectivos títulos nos informam haver, assim, equação diretamente proporcional entre investimento fiduciário e fé pessoal.
Chrimassa
39 x 27 x 10 cm
Chrimassa
19,5 x 15 x 6,5 cm
Chrimassa
27 x 17 x 8 cm
Em obras da série Cristos e Anticristos e nos Mealheiro 1 e Mealheiro 2, haveria, assim, um preciosismo no tratamento das formas no sentido de conferir aos objetos verossimilhança em relação à configuração natural, nos informando a relação intrínseca entre forma e função. Sublinha Gouveia:
Objeto - Resina de poliéster e dinheiro
35,5 x 27,5 x 15 cm
“Há nessas ideias uma negação clara tanto da representação europeia do Cristo quanto da sua imagem, morto e ensanguentado na cruz, como expressão do Cristianismo. A cruz, assim como a guilhotina, a forca e as fogueiras, fala da crueldade humana: são instrumentos de punição, não de fraternidade ou compaixão. E, na maioria das suas representações tradicionais, ainda aparece como madeira polida, bem-acabada, como se fosse destinada ao repouso de um rei branco de olhos azuis – e não ao suplício de um bandido”
Óleo sobre tela
30 x 30 cm
Óleo sobre tela
30 x 30 cm
Desprezando trabalhos menos óbvios nesse sentido, focaram nas imagens de cruzes e cristos em arranjos além da representação clássica ocidental. Sob a acusação de satanismo e outras heresias, incitaram, pelas redes digitais, ataques à exposição. Para não apenas manter as obras a salvo, como evitar maior publicidade para o grupo fundamentalista sob o pretexto de seu trabalho, Renato resolve encerrar a exposição quatro dias antes do previsto – quando se deu a mobilização de uma live coletiva em protesto contra a mostra por membros de igrejas locais - algumas das quais, como regra, beneficiárias de isenções fiscais de seus patrimônios, doações e dízimos obrigatórios de fiéis, ou seja, motivos dos comentários críticos na obra do artista.
Instalação - Resina de poliéster
Dimensão variada
Bico de pena
25 x 69 cm
Bico de pena
25 x 69 cm
2017, Galeria Janete Costa, Recife-PE
RECIFE.NOV.2025