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RECIFE.NOV.2025
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       O monge      
milita


APRESENTAÇÃO








Incauto, alguém pode perceber que documentar a relação de Renato Valle com o tema deste livro deva ser redundante. A sua relação com religiosidade e política é intrínseca à sua obra, presente desde antes da primeira produção artística. Em meio século de trajetória, sua crença e sua ética se manifestam em gestos, atos e coisas. São estas coisas que nos interessam aqui, estas coisas, a crença n´algo que é físico, tem aura e incorpora e produz discurso.

Em texto sobre a série Amós Votos Hieronymus, de 2011, Valle descreve o desenho como necessidade vital, “é como andar, me mover, usar um músculo qualquer do meu corpo ou puxar o ar pra respirar, difícil viver sem desenhar”. Como os atos manifestos, inexoráveis aos seres humanos, seu desenho também seria sua sociabilização, desejo, cultura, sua política e religião? Sua religiosidade é companheira constante, que ilumina. Já sua fé fez eloquente o tímido, capaz de expressar mundos e formas “falando de algo que a escrita ou o verbo não bastam”. Um animal político que prega a palavra da sua fé no desenho.















DA SÉRIE AMÓS VOTOS HIERONYMUS 10, 12, 8 e 2O
2011
Grafite sobre tela crua
100 x 100 cm





Para as ruas? Ocupações? Assinaturas? Em benefício da classe? Será mesmo? Faz tempo que deixei de participar de movimento, abaixo-assinado ou qualquer coisa que traga bandeira partidária. Se é pela classe, não atrele a partidos, e, até o momento, todos estão atrelados

Claro como ar que eu respiro e a manhã que se levanta está que, a arte é a religião de Renato Valle, enquanto suas políticas estão no que o cotidiano lhe traz, as pautas de sua verve. “A minha religiosidade é que me leva a agir politicamente e apartidariamente de forma aristotélica”. Rejeita a política formal dos conchavos e disputas eleitorais, essa ele acompanha e passa mal. Cotidianamente. Sem jamais fazer um cílio se mover no sentido de sua inserção ou articulação – ele se abstém, mantendo-se à margem dela. Ao contrário, na arte mergulha de modo profundo. Perene. Dedicado. Devoto. Uma doutrina cultivada ao longo de cinquenta anos. Profissão de fé, monástico, de retiro em algum trabalho que esteja envolvido. Todo santo dia é “dia útil”. Fazer obras de arte é dar-se o respirar ao espírito.

Na virada de décadas, em levantamento para o site do artista, elaborou-se um raisonné de Valle. Uma das obras mais antigas registradas é Comemoração da paz (1979), bico de pena apresentado em Salão oficial, já tratando do anseio coletivo em tempos de disputas políticas e religiosas.


COMEMORAÇÃO DA PAZ
1979
Bico de pena sobre papel
73,1 x 45,4 cm





DECADÊNCIA
1980
Bico de pena sobre papel
40 x 64 cm






No ano seguinte, Valle foi premiado com Decadência (1980), desenho em que se vê, ao centro da imagem, uma arma diante de uma igreja católica. Em 1983, participou do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco com O presidenciável, óleo de 1983. Na primeira individual, Renato Valle – Pinturas 86, expôs, entre outras, ex-votos, oratórios e O fazedor de intrigas I e II (ambas de 1986), referência à Operação El Dorado Canyon, ataque dos EUA à Líbia em 1986. Cedo já se definiriam estes dois dos seus pontos de interesse.

A junção dos vocábulos gregos “laos” (povo) e “ergon” (trabalho, serviço, ação) forma “leitourgia”, que nos chega, em sua versão latina: “liturgia”. Diz da união do gesto político ao religioso como serviço público em favor da comunidade. Hoje abrange a plêiade de ritos e cerimônias, não exclusivamente religiosas. Nesse sentido, Valle exerce sua liturgia artística: repete orações, toques, manifestações, incorporações – na sua construção peculiar de símbolos e sinais, ele faz, refaz, atualiza, repinta, revisita e repete... Sempre de forma renovada, nunca redundante. 




O PRESIDENCIÁVEL
1983
Óleo sobre tela
80 x 60 cm





O FAZEDOR DE INTRIGAS I
1986
Óleo sobre tela
46 X 55 cm





O FAZEDOR DE INTRIGAS II
1986
Óleo sobre tela
46 X 55 cm




Creio que a necessidade de expressar aquilo que se sente e se pensa é suficiente para conduzir o artista a algum lugar. Dessa forma, toda experiência emocional e intelectual se reflete naquilo que se faz, e os temas vêm, vão, e quase sempre voltam, sem que seja necessário buscá-los









O FAZEDOR DE INTRIGAS
(transição e final)
1986 - 2012
Acrílica sobre tela
45 x 55 cm





Sua produção revisita e reinventa temas. Em Escritos sobre pinturas ruins, série de 2012, interferiu com texto sobre obras pretéritas. Nas residências de Diálogos, entre 2005 e 2009, deu novos traços a produções alheias. Em A revisão da pintura (2018–2019), reelaborou telas próprias. Mais recentemente, homenageou artistas como Gil Vicente, João Câmara, Cildo Meireles e Debret, em obras que tecem homenagens-reverências a trabalhos destes, na mostra braꙄil (2025). Seus ex-votos, recorrência central, traduzem seu hábito devocional e afirmam sua prática como arte-liturgia.


NATUREZA-MORTA COM EX-VOTO III
1994
Óleo sobre tela
Tríptico: 65 x 58 cm (conjunto)








MELANCIA
(transição e final)
1994 - 2012
Óleo sobre tela
Tríptico: 65 x 58 cm (conjunto)






PROJETO DIÁLOGOS, 3ª ETAPA, MUSEU MURILLO LA GRECA
Recife-PE
2006





PROJETO DIÁLOGOS, 1ª ETAPA, IAC/UFPE
Recife-PE
Projeto Experimental O Artista, o Processo Criativo e a Mediação Cultural
2005-2006







RETRATO DO QUE ELE É 1, 2, 3 e 4
2018 - 2019
Óleo sobre tela
20 x 15 cm 



ARROGÂNCIA
2018 - 2019
Óleo sobre tela
55 x 35 cm







ORATÓRIO
2018 - 2019
Óleo sobre tela
90 x 70 cm





NATUREZA MORTA (JOGO)
2018 - 2019
Óleo sobre tela
Políptico: 30 x 30 cm (cada)





O primeiro capítulo aborda a repetição como milagre das multiplicações, tendo como referência Diário de votos e ex-votos (sua pesquisa realizada entre 2003 e 2005), cinco mil desenhos que, nas palavras de Valle, representam “duas experiências humanas: drama e esperança”. E um paralelo com os incontáveis ex-votos elaborados em técnicas, dimensões, suportes e épocas distintas, ao longo de sua vasta obra.







HOMENAGEM A CILDO MEIRELES VLADIMIR HERZOG
2023
Impressão em canvas
100 x 225 cm






Os trabalhos de Diálogos e da série Cristos e Anticristos, esta, fruto de uma pesquisa por dois anos, a partir de 2010, revelam como Valle, a partir de seu repertório técnico, dialoga com práticas consagradas da historiografia artística, posicionando-se como autor contemporâneo. No segundo capítulo, evidencia-se que sua inovação não é uma inflexão na técnica em si, mas, a partir do uso canônico da linguagem, o artista atualiza o repertório humano, entre fazer, desde sempre, e o dizer, daqui, situando sua obra no tempo presente.

O terceiro capítulo aborda a relação entre fé e política, destacando como ambas justificaram execuções com a anuência do Estado. Esse tema aparece em Bandido bom é bandido morto, revista ilustrada, publicada em 2022, que analisa penas capitais históricas e a produção sistemática de vítimas.







DIÁRIO DE VOTOS E EX-VOTOS (SELEÇÃO)
2003 - 2005
Grafite sobre Papel
Políptico, 5 mil desenhos: 5 x 5 cm (cada)







O CACHORRO MORTO
2009
Grafite sobre lona crua
212 x 405 cm







CRISTOS E ANTICRISTOS
2012
Galeria Capibaribe / CAC / UFPE, Recife-PE








BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO
2021 - 2022
Revista ilustrada - 58 páginas
28 x 21 cm





Na quarta seção, temos braꙄil – conjunto de 12 trabalhos (11 produzidos entre 2020 e 2025 e um de 2006) que expõem autoritarismo e desvios da República brasileira. As obras transitam do retrato realista ao objeto ready made, mostrando como a fé que temos em nós mesmos desafia a filosofia política que sustentam o Estado e a sociedade.





O quinto capítulo encerra com uma biografia singular do personagem deste livro: não lista conquistas, glórias, feitos curriculares ou premiações e condecorações, mas narra o devir espiritual deste ser humano, desde a infância até sua atual compreensão e prática no campo espiritual da vida.















BRAꙄIL
2025
MAMAM - Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães









Apenas uma pequena parte da produção não foi incluída, por limitação de páginas. É o caso das fotografias – linguagem menos notada da produção de Valle, se comparada ao desenho, pintura e gravura – embora as séries com o foco no cotidiano popular em Pernambuco, como as Grades de caminhões (2002 – 2004) e outras, feitas em 2011 e exibidas no Recife, naquele ano, e em Petrolina, no ano seguinte, na mostra Figura, Paisagem e Natureza Morta, revelem sua relevância.















GRADES DE CAMINHÕES 
2002
Fotografias






BOI
2011
Fotografia




CABEÇA DE BOI
2011
Fotografia









Bruno Albertim, ao mapear religiosidade e política na obra de Renato Valle, traz os marcos mais significativos da trajetória do artista. Obras centrais são contextualizadas por outras de menor vulto, mas igualmente fundamentais, referendando o recorte escolhido para esta publicação. Albertim, crítico, curador, pesquisador e jornalista tem na produção de bons textos o seu pão de cada dia. Já havia escrito em 2017 sobre a exposição Religiosidade e Política na Obra de Renato Valle. A clareza de sua análise consolidou-o, enquanto desejo nosso de termos o texto para este livro de agora, à época ainda um projeto embrionário.

Já o autor da apresentação deste livro, desde 2009 colabora com Renato Valle em diferentes projetos ligados a religião, política, ambos e outros temas.


O JOGO MALEVICHCO DOS QUATROCENTOS ACERTOS
Participação de Diogo Dobbin – Todë













O JOGO MALEVICHCO DOS QUATROCENTOS ACERTOS
2005 - 2006
Fotografias e grafite sobre papel







Conheci Diogo Dobbin - Todë no início dos anos 2000. Lembro que participou de uma obra coletiva durante o Projeto DIÁLOGOS no IAC. Com o tempo nos tornamos amigos e parceiros em alguns projetos. Todë fez as expografias e coordenou as montagens de DIÁLOGOS no MEPE e de RELIGIOSIDADE E POLÍTICA na Galeria Janete Costa. Fez o projeto do meu site, mapeou a minha obra e escreveu o livro VALLE-EDUCA





DIÁLOGOS
2009
Museu do Estado de Pernambuco, Recife-PE




HISTÓRIA DE SONO, DE SONHO E DE MORTE
2009
Livro - 32 páginas
10,5 x 14,8 cm




Esta é a sétima publicação em que participa sobre a obra do artista. A primeira ocorreu, no catálogo de Diálogos (2009), enquanto fez parte da equipe do projeto, sendo responsável pela concepção da expografia. Naquele mesmo ano, editou História de sono, de sonho e de morte pela Livrinho de Papel Finíssimo. Em 2021, publicou a pesquisa e edição de conteúdo multimídia no site www.renatovalle.art e escreveu e editou Valle-Educa, sobre a relação do artista com a UFPE. Colaborou com o livro Renato Valle, da CEPE, Companhia Editorial de Pernambuco, publicado em 2024, onde escreveu o capítulo da prática educativa deste artista. Mais recentemente, dividiu com Valle e Robson Lemos as edições de Bandido bom é bandido morto (2022) e do catálogo da exposição braꙄil (no prelo).






BRAꙄIL (CAPA DE CATÁLOGO)
2025
Brochura ilustrada, colorida - 52 páginas
28 x 21 cm








A fé de Renato Valle na arte é pública e notória, assim como é sabido por todos da sua militância pulverizada, sem vínculos partidários ou causas específicas. Há uns tempos, amplia essa dimensão em vídeos nas redes sociais, onde compartilha opiniões sobre diferentes temas. Não se trata de uma vida em lutas e ativismos, mas há de se fazer justiça e façamos os devidos registros.



Em 1978, enquanto fazia sua estreia profissional, Renato Valle doou um bico de pena ao Fundo de Greve dos Professores da UFPE, ele se orgulha. “Essa foi a minha primeira participação em um movimento que se opunha à ditadura!”. Desde então “Participei de algumas campanhas, doei obras, como artista e cidadão, sem me filiar a partidos”. Também contribuiu financeiramente, como no financiamento coletivo que viabilizou a exposição Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira.







A NOVA REPÚBLICA
2016
Instalação efêmera - título de eleitor, gelo






Valle engajou-se em coletivos culturais, como o periódico Edição de Arte, no final dos anos 1980, e, de 2009 a 2013, a Sala Recife, uma galeria sem fins lucrativos dedicada ao desenho e à pintura. Ali se estabeleceu uma ação de extensão acadêmica com a Universidade Federal de Pernambuco por dois anos, até o encerramento das atividades. Na Oficina Guaianases de Gravura foi eleito diretor técnico, em meados dos anos 1990, foi nesta gestão que se articulou a doação do acervo e maquinaria à UFPE – a partir daí, do apagar do século XX, na Universidade, promoveu diversas ações, envolvendo a comunidade acadêmica, a partir desses espólios.





EDIÇÃO DE ARTE
(Periódico impresso)
1988 - 1990
Editores: Renato Valle, Andrea Moreira, Flávio Gadelha, Gil Vicente, Laura Buarque
Tamanho tablóide






SALA RECIFE
2009 – 2013
Exposição: Paulo Whitaker – Autoramas e outras





LAMPARINA II
1997
Litografia
55 x 38,5 cm

OVÓIDE IV
1997
Litografia
55,5 x 40 cm





Mesmo sem fundamentação pedagógica formal, sua atuação consolida uma prática educadora emancipadora e reflete um “educar político”, próximo às ideias de Paulo Freire.








PROJETO DIÁLOGOS, 6ª ETAPA
MOVIMENTO PRÓ-CRIANÇA
Jaboatão dos Guararapes-PE
2008 – 2009





Pode-se afirmar que, sobre a fé e a busca do bem comum, este livro dá conta do caminho traçado por Renato Valle. Creio ser fundamentalmente mais importante que historiar sua obra pretérita, é celebrar que sua produção segue crente, contundente e ativa. Ele continua e esteve, há pouco, criando uma série de novos ex-votos, acabou de cerrar as portas da exposição  e já prepara uma mostra para breve – trabalhos políticos (atos), ainda inéditos. Tem mais por vir!





EX-VOTO CABEÇA MODI
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm

UM EX-VOTO PARA BOTTICELLI
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm
UM EX-VOTO PARA FRIDA
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm



UM EX-VOTO PARA PICASSO
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm

UM EX-VOTO PARA TARSILA
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm
UM EX-VOTO PARA VELÁSQUEZ
2024
Óleo sobre tela
80 x 60 cm






A benção, Renato Valle. Faço votos por ti. Saravá!!!

Diogo Dobbin – Todë
Produtor cultural e Editor de VOTOS













RECIFE.NOV.2025
acessibilidade
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livros vídeos expediente
VO
   TO
         S
  RENATO VALLE & BRUNO ALBERTIM  
    RELIGIOSIDADE E POLÍTICA      

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